Som do dia

quinta-feira, novembro 16, 2006

Cegueira



Vieste como um barco carregado de vento,
abrindo feridas de espuma pelas ondas.
Chegaste tão depressa...
E só ficaste o tempo de iludires
a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar
como foi que partiste.
»«
Se partiste!…
Porque dentro de mim se acanham as certezas
E tu vais sempre ardendo,
embora como um lume de cera, lento e brando,
que já não derrama calor.
»«
Tenho os olhos verdes
de tanto os ter lançado ao mar o dia inteiro,
como os pescadores fazem com as redes.
E não existe no mundo cegueira pior
do que a minha.
»«
O frio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres
que se passeiam no cais
como se transportassem no corpo
o vaivém dos barcos.
»«
Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar,
porque as ondas acabam sempre
por quebrar-se junto das margens.
»«
Mas eu sei que o meu mar...
Está cercado de litorais,
que é tarde para quase tudo.
Por isso, vou para casa...
E aguardo os sonhos,
pontuais como a noite.

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