Som do dia

sexta-feira, julho 29, 2011

Céu Azul...



Vejo uma nuvem deslizando no azul do céu,
deixando-se levar pelo vento, sem rumo…
Sou igual a essa nuvem desde o dia em que partiste,
levando contigo o meu coração…

1 comentário:

Dulce AC disse...

Anabela, num abracinho grande a cumplicidade numa história de amigos..e um beijinho de muita, sentida ternura para si.

"Face

Tinha a transparência de um fio de água na gelada madrugada e nascente é o sol que ainda não está.

Concentrado no olhar aquilo que sabia, era na interrogação dos lábios que a curiosidade se manifestava e o desejo de tocar o desconhecido enchia-lhe a cabeça de perguntas e ela girava como um moinho de vento, os panos soltos e o eterno chiar das cordas e as nuvens de farinha a cobrirem as formigas e os gafanhotos.

Morava no cimo de um monte, numa casa de madeira com duas portas, cinco janelas e um sótão com duas outras mais. A lareira era no meio da casa, a cama colocada ao seu lado direito, à esquerda a mesa da cozinha e o armário dos pratos estava onde quisesse estar.

O sótão era o lugar onde espreitava o mar tão ao longe, que poderia duvidar da sua existência, mas não o faria, porque o ouvia perfeitamente na calma das marés e no turbilhão das tempestades.

Se o vento uivava, o cão chamado Estrela uivava com ele e o rapaz ria-se do vento e do cão e saíam os dois a correr, os cabelos em pé, a cauda a abanar.

Era um cão bom, ligeiramente atarracado, o pelo rijo e forte da cor do mel com pinceladas pretas, as patas potentes e o olhar meigo de conquistar corações.

Ninguém se lembrava da chegada do rapaz e muitos brincavam, dizendo que seria de um outro planeta, mas este facto não tinha a menor importância porque também já ninguém se lembrava de como era a sua vida antes de ele ter chegado.

Não lhe perguntavam nada e ele não respondia, porque calado era e gostava de o ser.

Jacinto e o cão iam à escola às segundas, quartas e sextas, porque sabiam ler e escrever e contavam às crianças as histórias de quando não tinham amigos e uma casa de madeira no cimo de um monte e o cão ainda não era cão, mas uma estrela no firmamento.

Uma noite, caíra desajeitadamente em cima da orelha esquerda do rapaz que disse baixinho au! O cão Estrela respondeu au! au!

Ficaram amigos e era desse ouvido, que o rapaz conseguia ouvir as vozes dos habitantes secretos das árvores e dos quintais, o sussurro da canção das mães que embalam os filhos e o pensamento dos homens quando estão tristes.

Nessas alturas, guardava as terças, quintas e sábados para apanhar malmequeres e fazer pão e partilhava-os com os vizinhos.

Depois, ao crepúsculo, Jacinto gostava de ver a noite chegar e o cão Estrela matava as saudades do céu.

No chão húmido do cimo do monte, deitavam-se em frente à casa de madeira e o rapaz pousava a cabeça no dorso do cão e o mel dourado dos cabelos de um, confundia-se com o castanho e preto do outro.

E eram os dois lados da mesma face."

(in "histórias com mar ao fundo",de Manuela Baptista)